A presente obra é de
estudo e não de mera leitura. Trata-se de um trabalho filosófico-jurídico
sintetizado pelo doutrinador italiano Norberto Bobbio. Na nossa avaliação o
ponto alto da obra se verifica no item 3 do Capítulo 3 que trata das
antinomias, ou seja, das normas incompatíveis entre si.
Para esclarecer este ponto
o Autor relaciona quatro situações de qualificação normativa, a saber: a norma
que obriga; a norma que proíbe; a norma que permite tudo e a norma que permite somente uma conduta específica. Veja o quadro abaixo:
A norma que obriga algo tem
como norma absolutamente contrária a norma que proíbe a mesma coisa, sendo portanto
incompatíveis no sistema jurídico. Nesse aspecto ressalta que em situações como
esta, o operador do direito jamais se
posicionará favoravelmente a ambas normas, considerando sempre que uma seja verdadeira
e outra falsa, ou mesmo ambas falsas.
A representação gráfica
desse raciocínio é apresentada no quadro abaixo, onde “O” representa a norma
que obriga, e “O não” representa a norma que proíbe.
Ex: “Lei A” diz que o “comportamento
X” é obrigatório, mas a “Lei B” diz que esse comportamento é proibido. Ou ambas
normas são totalmente falsas ou uma só é verdadeira.
Imagine-se se o
“comportamento X” seja dirigir veículo automotor. Não é possível admitir que
tal comportamento seja tido como absolutamente obrigatório e nem que seja
absolutamente proibido. Nessa situação, o operador do direito estaria diante a
duas normas fundadas em premissas falsas.
Por outro lado, se o
“comportamento X” for votar nas eleições dos 18 aos 70 anos, uma será
considerada verdadeira a outra falsa. Utilizamos esse exemplo porque tal
situação no Brasil é obrigatória e uma norma que proibisse votar seria norma
falsa.
No segundo quadro a
representação consiste entre a norma que obriga
e a norma que permite apenas determinada conduta dentre o universo da
conduta obrigatória, sendo então contraditórias e não contrárias. A relação
entre ambas é de subordinação da norma mais abrangente (“O”) de contexto
obrigatório, sobre a norma menos
abrangente (“não O”) de contexto
permitido negativo.
Nesse aspecto, tal como na
situação anterior, operador de direito deverá se posicionar favoravelmente ou
contrariamente a umas das normas conforme o caso concreto apresentado, porém, diferente da
situação antinômica acima, sempre uma
será verdadeira e outra falsa. Nunca ambas verdadeiras ou ambas falsas.
Ex: “Lei A” diz que o
“comportamento X” é obrigatório, mas a “Lei B” diz que um determinado
comportamento (contido na mesma natureza do “comportamento X”) é permitido. Ou se
acata a Lei A e despreza a Lei B, ou o
inverso.
Imagine-se se o
“comportamento X” seja votar nas eleições dos 18 aos 70 anos e a “Lei B”
permite o voto dos jovens entre 16 e 18 anos e idosos acima de 70 anos.
Não é possível admitir que
alguém na faixa etária de 18 a 70 anos invoque
a Lei B, como jovens e idosos na condição de não obrigados, invoquem a Lei A.
Daí serem contraditórias e não contrárias.
Da mesma forma,
contraditórias e subalternas são as normas que proíbem determinada conduta (“O
não”) e a que permite uma conduta menos abrangente, mas que esteja contida na
conduta proibida (“não O não”), também chamada de “permitido positivo”.
Conforme demonstrado no
terceiro quadro, tal como no exemplo anterior, sempre uma norma será verdadeira
e outra falsa. Nunca ambas verdadeiras ou ambas falsas.
Um exemplo clássico dessa
antinomia está a proibição estabelecida no artigo 28, inciso III da Lei 8906/94
e a exceção permissiva no §2º do mesmo artigo, senão vejamos:
Art. 28. A advocacia é
incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
I - ...
II - ...
III - ocupantes de
cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou
indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias
de serviço público;
IV - ...
V - ...
VI - ...
VII - ...
VIII - ...
§ 1º A
incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de
exercê-lo temporariamente.
§ 2º Não se incluem
nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante
sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a
administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.
Veja-se que se não houvesse o parágrafo segundo,
qualquer pessoa que ocupasse qualquer cargo ou função de direção na
administração pública estaria impedido de advogar. O parágrafo segundo ameniza
a prescrição da norma, haja vista que na vida prática, algumas funções não
detém poder de decisão relevante sobre interesse de terceiros, como é o caso de
um diretor de escola pública, só para ficar nesse exemplo.
Por óbvio o legislador quis atingir o Diretor de
uma importante estatal, os Secretários e Ministros de Estado, etc., cuja
atuação profissional lhe dá inquestionável prestígio, bem diferente de um simples
diretor de escola pública.
Caso o legislador não tivesse previsto a exceção na
regra, inibiria milhares de bons diretores de escola, recusar a missão muitas
vezes delegadas pelos alunos, para não sofrer sérios prejuízos na sua vida
profissional.
A
seguir, temos a quarta situação em que quadro representa a antinomia entre o
Obrigatório (“O”) e o permitido positivo (“não O não”).
Se
uma ação é obrigatória, é necessariamente também permitida, devendo então essa
segunda situação ter aspecto de subalternidade, uma vez que não é possível afirmar
o contrário, ou seja, que por ser permitida àquela respectiva ação, a mesa seja
também obrigatória.
Sendo
assim, a norma que obriga uma determinada ação, tem relação de superimplicaçao
sobre a norma que permite essa mesa ação. Por outro lado, em caminho inverso, a
norma que permite determinada ação tem relação de subimplicação sobre a norma
que obriga.
Nesse
sentido, existe uma relação cuja implicação é de que a norma que obriga deduz a
verdade da norma que permite e não vice-versa, ou seja, a norma que permite
pode ter relação de verdade com a norma que obriga como também de falsidade.
Exemplo:
Lei A determina obrigatoriedade de
pessoas do sexo masculino servir as forças armadas. A Lei B permite que dentre
os obrigados, se de preferência a quem manifeste interesse em servir as forças
armadas, de forma que, mesmo tendo uma norma obrigando, existe um voluntarismo
manifesto do obrigado. Como foi dito, a norma que obriga o serviço militar, tem
relação de superimplicaçao sobre a norma que permite a dispensa a quem não
manifeste interesse.
Por
outro lado, caso ninguém manifestar interesse em servir de forma “voluntária”,
a Lei B não exercerá influência sobre a Lei A, prevalecendo a regra da
obrigatoriedade, daí ter relação de subimplicação, cujo suposto direito de
dispensa que alguém venha reclamar será conceituado como premissa falsa.
A
quinta relação antinômica exposta por Norberto Bobbio diz respeito entre uma
norma que permite positivamente (“não O não”) e outra que obriga (“O”).
vez aprovado, para realizar a inscrição, a prova de
conclusão é obrigatória.
Da mesma forma descrita na quarta relação antinômica, a norma que obriga uma determinada ação, tem relação de superimplicaçao sobre a norma que permite essa mesa ação. Por outro lado, em caminho inverso, a norma que permite determinada ação tem relação de subimplicação sobre a norma que obriga.
A sexta e última relação antinômica está entre a norma que permite de forma positiva ("não O não") e a norma que permite de forma negativa ("não O").
Como
dito no exemplo anterior, a norma permissiva positivada tem natureza objetiva e
fechada, enquanto a que permite de formas negativa tem natureza subjetiva e
aberta. A norma permissiva positiva é taxativa, enquanto a norma permissiva
negativa é por exclusão.
Ao
contrário do primeiro exemplo de normas contrárias (Obrigatória x Proibida), em
que ambas normas podem serem falsas, mas não podem ser ambas verdadeiras, neste
exemplo são consideradas subcontrárias, donde ambas podem ser verdadeiras, mas
não é possível ser ambas falsas.
Para
trazermos esse último conceito à inteligência de um exemplo concreto, o que
achamos mais adequado foi a desoneração criminal sobre uso de drogas para
consumo próprio, nos termos do artigo 28 da Lei 11.343/2006, senão vejamos:
Art.
28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,
para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I -
advertência sobre os efeitos das drogas;
II -
prestação de serviços à comunidade;
III -
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o
Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou
colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou
produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o
Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta
e aos antecedentes do agente.
§ 3o
As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas
pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o
Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste
artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o
A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários,
entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos
congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem,
preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e
dependentes de drogas.
§ 6o
Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput,
nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o
juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I -
admoestação verbal;
II -
multa.
§ 7o
O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator,
gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para
tratamento especializado.
Trata-se
de uma permissão positiva sobre consumo das mesmas drogas que são proibidas no
artigo 33 da mesma Lei.
Vale
dizer que é permitido consumir todas as drogas que não estão na portaria
governamental (permissiva negativa) e as que estão na portaria governamental,
desde que em pequenas quantidades para consumo próprio (permissiva positiva).
Veja que a permissividade negativa é real e
inconteste enquanto a permissividade positiva é circunstancial e dependente de
avaliação subjetiva (ver §2º do art. 28).
Como
dissemos, admite-se que ambas sejam verdadeiras ou somente uma verdadeira e
outra falsa. Jamais admite-se que ambas sejam falsas.
Passaremos
agora a abordar a obra sobre um contexto geral.
Norberto
Bobbio pertence a uma corrente jusfilosófica que se costuma chamar de “escola
analítica” ou “positivismo analítico”. Desde a década de 1950, seus trabalhos,
marcam um nítido programa de reformulação dos estudos de Direito, que então se
limitavam a uma polêmica tediosa e infecunda entre o chamado jusnaturalismo e
positivismo.
Norberto
Bobbio foi professor das Universidades italianas de Siena e Pádua e catedrático da
Universidade de Turim. Nessa condição foi um dos primeiros doutrinadores a
voltar-se para a metodologia da ciência do Direito, segundo uma análise
lingüística.
A
marca de sua obra é a finura da análise, rigor terminológico, disciplina de
pensamento e um formidável acúmulo de informação.
Sobre
isso Tulio Ascarelli (jurista italiano) disse: “na atual crise de valores, o
mundo pede aos juristas idéias novas, mais que sutis intepretações.”
Para
Bobbio soube enfrentar as crises postas diante dele. Dizia: “uma crise só se torna um desastre quando
respondemos a ela com juízos pré formulados, isto é, com preconceitos”.
Quando
a sociedade atravessa uma fase de profunda mudanças. A Ciência do Direito
precisa estabelecer contatos com as Ciências Sociais, superando-se a formação
jurídica departamentalizada , com sua organização sobre uma base
corporativo-diciplinar , de comportamentos estanques.
O
livro é composto de cinco Capítulos, a saber:
O
primeiro Capítulo aborda o tema: “Da norma jurídica ao ordenamento jurídico”,
cujos subtópicos tratam da novidade do problema do ordenamento; do ordenamento
jurídico e definição do Direito; da pluralidade de normas e dos problemas do
ordenamento jurídico.
O
Capítulo 2 trata da Unidade do Ordenamento Jurídico, tendo sete subtópicos que
abordam as fontes reconhecidas e fontes delegadas; dos tipos de fontes e
formação histórica do ordenamento; das fontes do Direito; da construção
escalonada do ordenamento; dos limites materiais e limites formais; da norma
fundamental; do Direito e da força.
O
terceiro Capítulo aborda a coerência do ordenamento jurídico, trazendo nos
subtópicos diretrizes sobre deste ordenamento como sistema; dos três
significados de sistema; das antinomias e seus vários tipos (que já abordamos),
incluindo ai os critérios para a solução das antinomias e insuficiência dos
critérios com seus conflitos, além do dever da coerência.
O
quarto Capítulo trata da completude do ordenamento jurídico cujos subtópicos
tratam dos problemas das lacunas; do dogma da completude; da crítica da
completude; do espaço jurídico vazio; da norma geral exclusiva; das lacunas
ideológicas; dos vários tipos de lacunas; da heterointegração e
auto-integração; da analogia e dos princípios gerais do Direito.
Por
fim, o quinto Capítulo trata das relações entre os ordenamentos jurídicos,
cujos subtópicos sistematizam a pluralidade dos ordenamentos; dos vários tipos
de relação entre ordenamentos; do Estado e ordenamentos menores; das relações
temporais, espaciais e materiais.
Destaca-se
as seguintes frases:
“Direito
não é norma, mas um conjunto coordenado de normas”
“...uma
norma que comandasse uma ação necessária ou proibisse uma ação impossível seria
inútil; de outro lado, uma norma que proibisse uma ação necessária e ordenasse
uma ação impossível seria inexeqüível.”
“Se
é verdade que um ordenamento jurídico é definido através da soberania, é também
verdade que a soberania se define através do ordenamento jurídico.”
“...
juiz é aquele ao qual uma norma do ordenamento atribui o poder e o dever de
estabelecer quem tem razão e quem não tem, e de tornar assim possível a execução
de uma sanção.”
“...
não existem ordenamentos jurídicos porque há normas jurídicas, mas existem
normas jurídicas porque há ordenamentos jurídicos distintos dos ordenamentos
não-jurídicos.”
“...
fontes do direito são aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento jurídico depender
a produção de normas jurídicas.”
“Poder
e dever são dois conceitos correlatos; um não pode ficar sem o outro.”
“Não
há obrigação em um sujeito sem que haja um poder em outro sujeito.”
“...
a norma fundamental é um pressuposto do ordenamento: ela, num sistema
normativo, exerce a mesma função que os postulados num sistema cientifico.”
“Os
detentores do poder são aqueles que têm a força necessária para fazer respeitar
as normas que deles emanam.”
“O
Direito, como ele é, é expressão dos mais fortes, não dos mais justos. Tanto
melhor, então, se os mais fortes forem também os mais justos.”
“O
objetivo de todo legislador não é organizar a força, mas organizar a sociedade
mediante a força.”
Lei
favorável é aquela que concede beneficio (ou faculdade ou direito subjetivo); e
lei odiosa é aquela que impõe uma obrigação (sob pena de sanção).
Nesse
sentido, “se eu interpreto uma norma de maneira mais favorável para o devedor,
minha interpretação é odiosa em relação ao credor.”
“É
estrito dever do intérprete, antes de chegar à interpretação ab-rogante, tentar
qualquer saída para que a norma jurídica tenha um sentido.”
‘Enquanto
na antinomia é um caso no qual há mais normas do que deveria haver; o caso de
lacuna, no entanto, é um caso em que há menos normas do que deveria haver.”
“Muitas
normas , tanto dos Códigos como da Constituição, são normas generalíssimas, e
portanto, são verdadeiros e autênticos princípios gerais expressos.”
“...
o Direito natural único, comum a todos os povos, se contrapõe tantos Direitos
quantos são os povos ou as nações.”
“...
o ordenamento jurídico de um Estado não é um bloco compacto: assim como o
geólogo pesquisa os vários estratos da terra, assim também o teórico do Direito
deverá colocar-se frente a um ordenamento jurídico na atitude do historiador
que nele busca as várias fases de formação.”
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