LILA Uma investigação
sobre a moral
Trata-se daqueles livro
que passamos a vida sem ler, haja vista não dar qualquer sinal da sua proposta
ou conteúdo. No começo parece ser um daqueles romances enfadonhos de uma
aventura de barco através do rio Hudson EUA.
O Rio Hudson (em inglês: Hudson River) é um rio que corta o estado de Nova
Iorque, nos Estados Unidos, e que ao fim de seu trajeto forma o limite
interestadual entre Nova Iorque e Nova Jérsei.
O livro foi escrito pelo
filósofo Robert M Pirsig que vendo sua biografia, percebe-se que se espelha no personagem principal, o
Capitão Phaedrus.
O livro que tornou Pirsig
famoso foi “ZEN A ARTE DE MANUTENÇÃO DE MOTOCICLETAS”,
escrito 20 anos antes de LILA.
Tanto nessa obra como em
LILA, Pirsig explora o significado e os conceitos de "qualidade" (um
termo que ele considera ser indefinível). Pirsig expande sua exploração de
qualidade em metafísica, que ele chama de "Metafísica da Qualidade".
Como o título indica, uma grande parte da metafísica da qualidade tem a ver com
a não-intelectualização, não concetualizar, o Zen como visualização direta do
universo.
Ainda que Pirsig afaste o
pensamento oriental, argumentando que a razão e a lógica são importantes na
busca do entendimento, o autor frisa a importância da intuição abstrata como
orientadora da ação humana.
Descendo com seu barco
através do Rio Hudson, Phaedrus, ao entrar num bar de uma cidade ribeirinha, conhece
Lila Blewitt, uma mulher psicologicamente instável que, embora não esteja mais na flor da idade,
continua atraente a ponto de seduzir Phaedrus física e intelectualmente.
Ao navegar com ela para
Manhattan, Lila deflagra no narrador uma série de reflexões que culminam na
formulação do que ele chama da “metafísica da qualidade”. Aliás, esse termo é
uma espécie de mantra na obra. Foi citada aproximadamente umas 100 vezes.
Ousada, original e
provocativa a “metafísica da qualidade” fornece uma espécie de moldura para
avaliar todas as ações humanas segundo quatro níveis evolutivos – natural,
biológico, social e intelectual – que interagem de modo a influir na elaboração
dos códigos morais contemporâneos. Sobre esse conceito evolutivo, escrevi
alguma coisa neste Blog sob o título “O ABECEDÁRIO DAS GERAÇÕES”.
Enquanto Phaedrus constrói
seu sistema filosófico, Lila tem seu destino traçado de forma dramática. O
confronto desses dois personagens resulta num enredo singular que combina o
fascínio do romance de aventuras com o estímulo intelectual da meditação
filosófica.
Trata-se de uma obra prima
do pensar sem barreiras. São as idéias francas que estão no primeiro plano e
ocupam a maior parte do texto, refletindo a cultura dominante em uma espécie da
Raio X secular, a partir do vitorianismo com seus ferros forjados e seu linguajar reprimido, os índios americanos
esmagados, as escavações e os antropólogos, as delicias e desastres do sexo, a
fome da fama e seus percalços, a filosofologia, chamada pelo autor de “a
ciência dos tratados sem fim, são alguns dos muitos veios da cultura que
herdamos e detalhadamente analisados por Robert M Pirsig.
Uma dica interessante dada
pelo autor como habito de Phaedrus é de anotar idéias, conceitos e objetivos em
tiras (ou fichas). Mas o que chama a atenção é uma observação no sentido que: “o objetivo maios das tiras não era mais
ajudá-lo a se lembrar das coisas. Era ajudá-lo a esquecer. Parecia
contraditório, mas o propósito era o de deixar sua mente vazia...”
Nesse sentido: “Uma biblioteca é uma das ferramentas mais
poderosas da civilização precisamente por causa de suas gavetas de fichários.”
Referindo-se a um
pensamento do índio americano: “É melhor
saber muito e dizer pouco do que saber pouco e dizer muito.”
No que diz respeito a
religiosidade “Tinha observado que as
tribos que tinham as práticas religiosas mais ferrenhas eram as mais atrasadas”.
Nesse sentido reporto a um outro tema que publique neste Blog com o título
“DEUS X RELIGIÃO”.
Uma abordagem da obra que
me chamou a atenção para um fato interessante. “A personalidade americana é uma mistura de valores indígenas e
europeus.”
Dessa forma: “em relação a seus inimigos, não sente
qualquer compulsão de piedade, e quanto mais agressivo for, melhor.”
“índio não fala para encher o tempo ... ele quer que você fale do
coração ou cale a boca.”
Nesse contexto o autor faz uma observação de que os
americanos do Leste são mais Europeus, enquanto os americanos do Oeste (do
Velho Oeste), são mais índios. Essa percepção é bastante sentida através do
espírito aguerrido do texano (Oeste) em relação ao americano de Montana
(Leste), só pra ficar nesses dois exemplos.
Nesse ponto do livro me
veio uma espécie de resposta sobre algo que sempre me intrigou. Concordem as
pessoas ou não, o povo Inglês destoa com relação aos demais europeus. Quando a
regra do mundo era a barbárie, a Inglaterra já admitia alguns fragmentos melhor
ajustado em termos de governança. Sempre primaram em ter um parlamento, e os
reis ingleses não governavam com o absolutismo das demais monarquias da Europa
há dezenas de séculos atrás.
Não foi por outro motivo
que as colônias inglesas se desenvolveram muito melhor que as colônias
portuguesas, espanholas e até mesmo as francesas que quase não colonizou. É o
caso da África do Sul, Austrália, parte
do Canadá e Estados Unidos. Costumo dizer que até mesmo a cidade de Londrina/PR
é diferenciada pelo fato por ter sido colonizada por ingleses.
Um fato curioso que sempre
me chamou a atenção é dos Estados Unidos terem superado e muito seus
colonizadores, admitindo desde cedo um regime republicano presidencialista, mas
preservando os princípios consuetudinário próprio dos Ingleses.
Acabei dando razão ao
autor. Essa mistura da bravura e determinação do índio americano, fundida com a
índole inglesa, formatou uma nação fértil para a conquista e prosperidade, e
que sabem em cada situação, conforme se apresenta, se optarão pela diplomacia
inglesa ou a intolerância indígena.
Que se danem os que não
gostam quando afirmo que não fosse a existência desses dois países na face da
terra, as conquistas de liberdades (especialmente das minorias) não estariam consolidadas
em muitos lugares nem em 10% do que estão hoje. As vezes chego a pensar que os
ingleses chegaram no planeta terra de outro planeta, haja vista que a regra
consuetudinária de convivência só dá certo lá e nos EUA (por conseqüência). Nem
Alemão, nem Japonês, nem Frances, ninguém, consegue viver tão pacificamente sob
a égide consuetudinária como os ingleses.
Isso tudo vem de acordo
com a assertiva que o autor apresenta, assim como de outros filósofos de que “os padrões de uma cultura não funcionam em
conformidade com as leis da física.” Nas palavras de Clyde Kluckhohn (professor de
antropologia de Harvard:
“Os valores
fornecem a única base para uma compreensão totalmente inteligível da cultura,
porque na verdade, a organização de todas as culturas se dá primeiramente em
termos de seus valores.”
“a cultura tem que incluir o estudo
sistemático e explícito de valores e de sistemas de valores, vistos como
fenômenos da Natureza que podem ser observados, descritos e comparados.”
“Quando um eleitor vai às urnas, está fazendo
um julgamento de valor.”
“...os
valores nada têm de vagos quando se lida
com eles em termos de experiência real.”
“A antropologia cultural é uma casa construída sobre areia movediça
intelectual ... porque a estrutura dos princípios científicos sobre a qual
tenta se assentar é inadequada como base de sustentação.” Necessitando “descobrir um terreno sólido onde tal
estrutura pudesse ser erguida.”
Segundo o autor, a
metafísica era o que Aristóteles chamava de filosofia primeira. Nesse sentido
indaga: “Os objetos que percebemos são
reais ou ilusórios? O mundo exterior existe fora da consciência que temos dele?
Pode a realidade ser reduzida a uma única substância? Se sim, ela é
essencialmente material ou espiritual? O universo é inteligível e ordenado ou
incompreensível e caótico?”
Se uma coisa não tem
valor, não pode ser distinguida de nenhuma outra coisa, sendo assim, não
existe. Se algo que não pode ser classificado como sujeito ou objeto não é
real.
Nesse sentido, diante as
perguntas acima formuladas, o autor conclui que existem dois tipos de posições:
A primeira dos filósofos da ciência, grupo conhecido como positivistas lógicos
que sustentam que somente as ciências naturais podem investigar a natureza e
que a metafísica é apenas uma coleção de assertivas não comprovadas. A outra
corrente é formada pelos místicos.
Segundo o autor, o termo
místico na filosofia difere do misticismo ligado ao oculto, sobrenatural,
magia, feitiçaria, etc. O termo místico na filosofia está em admitir que muitas coisas da
natureza escapa da divisibilidade
necessitando de uma linguagem diferente das utilizadas quando se pode
estratificar como ocorre com a metafísica. Nesse sentido o autor afirma que a
metafísica não uma realidade, mas um “punhado”de opções que podem ser real. “A metafísica é um restaurante onde se
oferece um cardápio com trinta mil páginas, mas nenhuma comida.” “no momento em que abrimos a porta para a
metafísica podemos dar adeus à compreensão genuína da realidade.”
Por outro lado, “a qualidade é uma experiência direta,
independente de abstrações intelectuais e anterior a elas.” “A
qualidade é indivisível, indefinível e incognoscível.”
“se a Qualidade ou excelência for vista com a realidade última, então se
torna possível existir mais de um conjunto de verdades. Então não se busca a
“verdade” absoluta. Ao invés disso, busca-se a explicação intelectual para as
coisas que apresentar a mais alta qualidade...”
Que “verdadeiro é o nome do quer que seja que pareça bom no que diz respeito
à crença. A verdade é uma espécie de bem” ou satisfação. Sobre isso explica
que essa satisfação não necessita ser moral: “O holocausto trouxe satisfação aos nazistas. Para eles aquilo era
qualidade. Consideram-no prático.”
Que “todo conhecimento humano vem através dos sentidos ou do que se pensa
sobre o que os sentidos fornecem.”
E que “É sempre a outra pessoa que está iludida. Ou
nós mesmo no passado. No presente nós mesmos nunca estamos iludidos.”
Diante isso, “a metafísica da qualidade é essencialmente
uma contradição em termos, um absurdo lógico.” Compara como sendo uma
definição matemática do aleatório.
Nesse sentido, a
metafísica da qualidade é passível de experiência, a ponto que: “Qualquer pessoa, de qualquer tendência
filosófica que se sente num fogão quente verificará, sem qualquer argumentação
intelectual de qualquer natureza, que se encontra numa situação de inegável
baixa de qualidade: que o valor de sua
condição é negativo. Essa baixa qualidade não é apenas uma abstração metafísica
vaga, confusa, cripto-religiosa. É uma
experiência.”
Que a arte, a moralidade,
a religião e a metafísica não são passíveis de verificação.
Pergunta se a realidade
precisa ser algo que somente meia dúzia dos físicos mais ilustres do mundo
consegue entender?
Nesse sentido, no
tabuleiro de xadrez da dialética científica, o que não se pode definir não se
pode discutir. “Tentar criar uma
metafísica perfeita é como tentar criar uma estratégia perfeita para o xadrez,
que garanta a vitória sempre. Isso não existe. Não importa que posição tomemos
numa questão metafísica, alguém sempre começará a fazer perguntas que levarão a
novas posições que levarão a mais perguntas, num interminável jogo de xadrez
intelectual.”
Sendo assim: “a divisão básica da realidade não é entre
sujeito e objeto, mas entre estático e dinâmico.” Por isso é que num
primeiro momento, crianças, principiantes e primitivos costumam ser mais
ligeiros que adultos, especialistas e cultos. Que em ato contínuo, esses
últimos se sobressaem pelo fato de ser a qualidade estática a qualidade da
ordem que preserva o nosso mundo, impondo padrões complexos de valores
estáticos derivados das experiências primárias.
Nesse sentido: “Toda a vida é uma migração de padrões
estáticos de qualidade em direção à qualidade dinâmica”. Nesse aspecto abre
vistas a tese evolucionista de Jean Baptiste Lamarck em que: “a vida evolui rumo à perfeição”
Que “o mundo chega a nós numa sucessão interminável de peças de
quebra-cabeça” e que ”gostaríamos de
acreditar que elas se encaixam umas nas outras de alguma forma, mas na verdade
elas nunca se encaixam.”
“Os ornitorrincos vinham botando ovos e amamentando seus filhotes há
milhões de anos, antes que chegasse um zoólogo e declarasse isso ilegal.”
Essa afirmativa o autor fez para demonstrar que a natureza adora nos pregar
determinadas peças e produzir algo que classifiquemos como paradoxo.
Nesse sentido ao tratar da
substância o autor compara: “O próximo
ornitorrinco a cair é o da substancia. Ninguém jamais viu a substância e
ninguém jamais verá. Os dados da física quântica indicam que o que se chama de
partículas subatômicas não se enquadra de forma alguma na definição de
substancia. As propriedades existem, desparecem, tornam a existir e tornam a
desaparecer em pequenos feixes chamados quanta.” ... “Uma vez que os feixes quânticos não são substâncias, e uma vez que é
suposição científica corrente que essas partículas subatômicas compõe tudo que
existe, segue-se que não existe substância em lugar algum no mundo, e nem nunca
existiu. O conceito todo é uma grande ilusão metafísica.”
Que a ciência valoriza os
padrões estáticos. Quando surge o não-conformismo, é considerado uma
interrupção do normal. A realidade que a ciência explica é aquela realidade que
segue mecanismos e programas.
Nesse sentido: “parece claro que não existe um padrão
mecanicista em cuja direção a vida se encaminhe, mas alguém já perguntou se a
vida se encaminha para longe dos padrões mecanicistas?” Responde dizendo
que a evolução é temerariamente oportunista e que quanto mais estáticos e
irredutíveis forem os mecanismos, mais a vida trabalha para escapar deles.
Que toda evolução é
umbilicalmente ligada ao sofrimento: “Se
eliminarmos o sofrimento desse mundo, eliminamos a vida.”
E explica: “A lei da gravidade é talvez o mais
implacável padrão estático de ordem no universo. Por outro lado, não há uma única coisa viva
que não lute contra essa lei, dia após dia. Quase se poderia definir a vida como uma desobediência organizada à lei
da gravidade. Podemos demonstrar que o grau em que um organismo desobedece a
essa lei dá a medida do seu grau de evolução. Assim, enquanto um simples protozoário mal
consegue rodear seus cílios, as minhocas controlam seu senso de distância e de
direção, os pássaros voam e o homem vai até a lua. Os padrões de vida estão
evoluindo constantemente em resposta a algo melhor que essas leis naturais têm
a oferecer.”
Ao final sentencia: “Sem a qualidade dinâmica o organismo não
pode crescer. Sem a qualidade estática o organismo não pode durar. Ambas são
necessárias.”
Não
há evolução. As espécies que não sofrem não sobrevivem.”
“As vezes os loucos e os contras e os que estão à beira do suicídio são
as pessoas mais valiosas de que a sociedade dispõe.”
Num outro capítulo, ao
abordar o fenômeno da ânsia das pessoas idolatrarem celebridades e ao mesmo
tempo comemorar suas desgraças, o autor assim descreve: “Amam por ser o que gostariam de ser, mas odeiam por ser o que
eles não são.”
Diz ainda: - "Se ficar
famoso demais, irá direto para o inferno... pois você vê a vida a sua volta mas
não pode participar dela...Você se divide em duas pessoas, aquela que os outros
pensam que você é e aquela que você realmente é, e isso é o inferno Zen”
“A celebridade está para os padrões sociais
como o sexo está para os padrões biológicos... Sem a força da celebridade
talvez fosse impossível haver sociedades humanas avançadas e complexas.... As
pirâmides foram expedientes das celebridades. Todas as estátuas, os palácios,
os mantos e as jóias... as penas nos cocares dos índios...Todos os Ilustríssimo
Senhor, os Reverendíssimos, Doutores,... Todas as insígnias e troféus, todas as
medalhas, todas as promoções na escada empresarial, todas as indicações para o
primeiro escalão, todos os cumprimentos e bajulações nos coquetéis e chás,...
Todas as rixas e batalhas por prestigio...Todo sentimento de ultraje diante de ofensas.
Toda a cara digna do oriente, são todos símbolos de celebridades, tudo é
para reforçar a celebridade. ”
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